GILMAR MENDES VOTA CONTRA MARCO TEMPORAL, MAS PROPÕE GARANTIAS A FAZENDEIROS
Ele prevê que donos de terra só possam ser desapropriados mediante indenização prévia e que a Funai deve finalizar todos os processos demarcatórios nos próximos dez anos foto Gustavo Moreno / STF
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, reafirmou sua posição contrária ao marco temporal das terras indígenas. Para o decano da corte, é inconstitucional a tese aprovada no Congresso que só permite a demarcação de terras que eram ocupadas por povos indígenas à época da promulgação da Constituição de 1988.
Gilmar tratou do assunto no âmbito de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 7.582, ADI 7.583 e ADI 7.586) e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 87). Os quatro processos estão sob análise do Plenário virtual do STF, em julgamento aberto nesta segunda-feira (15/12). Até a publicação desta notícia, o voto de Gilmar foi seguido pelo ministro Flávio Dino.
O ministro, que é relator das ações, propõe uma solução que concilie os direitos dos povos indígenas e dos proprietários rurais. Entre outros pontos, ele prevê que donos de terra só possam ser desapropriados mediante indenização prévia e que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) deve finalizar todos os processos demarcatórios nos próximos dez anos, para evitar que as disputas fundiárias se prolonguem por tempo indeterminado.
O objeto do julgamento é a Lei 14.701/2023, que estabeleceu o marco temporal mesmo após o Supremo ter declarado, na discussão do Tema 1.031, que a tese retira direitos garantidos aos indígenas no artigo 231 da Constituição.
Com a lei sob questionamento judicial, o Congresso passou a agir para incluir a tese do marco temporal na própria Constituição. No último dia 9, dias antes do início do julgamento em curso, o Senado aprovou uma proposta de emenda constitucional que inclui na Carta a restrição aos direitos indígenas. A PEC ainda será analisada pela Câmara dos Deputados.
Para Gilmar, o grande desafio é reconhecer que os indígenas foram historicamente espoliados de suas terras e, ao mesmo tempo, que muitos produtores rurais não podem simplesmente ser retirados das áreas em que já estão consolidados.
“É cediço que todo o processo de ocupação territorial brasileiro, desde a chegada dos portugueses em 1500, é permeado dessa vergonhosa forma de apropriação do território inicial e integralmente indígena, na maioria das vezes realizada, historicamente, por meio de violência, intimidação e mortes. Essa realidade — dura e nefasta — não pode ser tolerada e repetida hodiernamente. Mas, a pretexto de promover uma reparação às comunidades tradicionais, não se pode desconsiderar o vetor de segurança jurídica presente em nossa sociedade democrática contemporânea, até para que seja preservado o direito à propriedade e à posse privadas.”
A proposta do voto
Conforme Gilmar explica em seu voto, a proposta foi baseada nas reuniões da comissão especial de conciliação criada pelo STF para discutir o tema com dezenas de entidades interessadas. As principais balizas do voto do decano são as seguintes:
Inconstitucionalidade do marco temporal — O ministro reafirma a tese de que a posse indígena da terra, prevista na Constituição, é distinta da posse civil. A posse indígena é baseada na tradicionalidade, e não em um marco temporal fixo. Exigir comprovação de que a terra era ocupada em 1988, como quer o Congresso, impõe uma “prova diabólica” aos indígenas que foram expulsos violentamente de seus territórios ao longo dos séculos;
Direito à indenização — Para terras em processo de demarcação, o ministro propõe que ocupantes de boa-fé, que tenham o título da propriedade, continuem com a posse da terra até o final do trâmite. Para que a demarcação seja concluída, todos os proprietários legítimos devem ser indenizados não apenas pelas benfeitorias, mas pelo valor da terra nua;
Participação de entes federativos — Estados e municípios podem participar do processo de demarcação da Funai. A ideia é dar espaço ao contraditório já na fase de instrução, já que muitos entes federativos costumam questionar as demarcações. Por outro lado, o voto barra exigências mais rígidas que o Congresso impôs para validar os laudos antropológicos que comprovam o direito indígena ao território;
Atividades econômicas — O voto autoriza o exercício de atividades econômicas nas terras indígenas, inclusive agropecuárias, em parcerias com terceiros, desde que sejam lideradas pelos próprios indígenas, que gerem benefícios para toda a comunidade e não envolvam arrendamento que restrinja a posse;
Plano de transição — O ministro propõe um prazo de dez anos para que a Funai finalize todos os processos demarcatórios pendentes. Conforme o voto, o órgão indigenista terá a obrigação de publicar e seguir uma lista cronológica de pedidos de demarcação;
Medidas humanitárias — Proibição das chamadas “retomadas” — ocupações feitas por indígenas de terras que ainda não foram regularizadas — e também de expulsões forçadas dos indígenas sem negociação prévia. O plano estabelece protocolos de desocupação humanizada e responsabilidade civil e penal para quem violar a paz no campo.
Fonte Conjur
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