QUANDO O SUBMARINO ALEMÃO POUPOU UMA ILHEENSE DE CORAÇÃO

Por Isaac Albagli
Em agosto de 1942, o litoral brasileiro foi palco de um ataque que mudaria o rumo do país na Segunda Guerra Mundial. O submarino alemão U-507, comandado pelo capitão de corveta Harro Schacht, percorreu a costa baiana com uma missão clara: afundar embarcações aliadas e isolar o Brasil das rotas marítimas.
Em apenas três dias, entre 15 e 17 de agosto, ele enviou para o fundo seis navios brasileiros (Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba, Arará e Jacira) matando mais de 600 pessoas. O impacto foi tão grande que precipitou a entrada oficial do Brasil na guerra contra o Eixo.
O U-507 era um submarino do tipo IXC, de longo alcance, 76 metros de aço cortando as águas silenciosamente. Schacht, então com 35 anos, nascido na cidade portuária de Cuxhaven, já havia afundado outros navios no Atlântico antes de chegar ao litoral brasileiro. Mas seria na costa da Bahia que sua fama ganharia contornos trágicos.
Na manhã de 17 de agosto de 1942, portanto há exatos 83 anos, ao norte da Ilha de Tinharé, próximo ao farol do Morro de São Paulo, Schacht avistou o Itagiba, que vinha do Rio de Janeiro para Salvador com passageiros e carga. Pouco antes das onze horas, um torpedo rasgou o mar e atingiu o navio. Em dez minutos, ele desapareceu sob as águas. Trinta e seis vidas foram perdidas; outras 145 só não tiveram o mesmo destino graças ao improvável encontro com um pequeno barco costeiro.
O salvamento coube ao iate Aragipe, embarcação de madeira de cerca de 300 toneladas, que havia partido de Aracaju com destino a Ilhéus, transportando sal e alguns passageiros. Sob o comando de Manoel Balbino dos Santos, o Aragipe navegava próximo quando avistou destroços, malas boiando e náufragos clamando por socorro. A tripulação lançou cabos e boias improvisadas, resgatando mais de uma centena de pessoas.
A heróica providência do Aragipe chegou a ser tema de um artigo de autoria de João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso e aficionado por histórias militares, que destacou o episódio como exemplo de coragem civil em tempos de guerra.
Entre os passageiros estava uma menina de apenas oito anos, enviada pela família de Sergipe, aos cuidados do comandante Balbino, para viver em Ilhéus com a tia Bernadete e o tio, o libanês Waghi Athaia, comerciante dono da loja de calçados Rainha do Sul, na Praça J. J. Seabra. Muito pequena e assustada, ela não participou do resgate, mas sua memória guardou com nitidez a imagem de algo que, na época, não compreendeu: um objeto cortando a superfície do mar. Anos depois, saberia que era o periscópio do submarino inimigo. A imagem de malas boiando no mar calmo também ficou gravada em sua lembrança.
O comandante Manoel Balbino, percebendo o perigo e sem saber se o Aragipe seria atacado, colocou um colete salva-vidas na criança e a manteve nos braços, esperando o pior. Mas o torpedo não veio. Por alguma razão que ficará para sempre no mistério do mar, talvez economia de munição, talvez cálculo estratégico, Schacht deixou o Aragipe seguir.
Com dezenas de sobreviventes a bordo, o barco costeiro rumou para Valença, onde a população se mobilizou de imediato. Casas abriram portas, escolas foram improvisadas como enfermarias e voluntários providenciaram roupas, comida e cuidados médicos para os resgatados. A tragédia havia chocado a todos, mas também revelou a capacidade de solidariedade em tempos sombrios.
Meses depois, em 13 de janeiro de 1943, o U-507 encontraria seu próprio fim: afundado por um avião Catalina norte-americano próximo ao litoral do Piauí, levando consigo seus 54 tripulantes.
A menina que sobreviveu àquele dia e viu o periscópio inimigo ainda está entre nós. Hoje, aos 91 anos, lúcida e de memória afiada, ela é testemunha ocular da história. Andreia é a nossa Tia Deinha, a ilheense de coração, que se casou com César Amorim de Almeida e é mãe de Henrique, Têca e Lula.
Deixe seu comentário para QUANDO O SUBMARINO ALEMÃO POUPOU UMA ILHEENSE DE CORAÇÃO