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O Tabuleiro

Pawlo Cidade

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PASSAR NA FRENTE DO CAIXÃO

Numa dessas viagens para Salvador, acabei topando no Município de Ituberá com um enterro. E quem costuma ir pelo Baixo Sul com destino ao ferry boat sabe que aquelas cidades ligadas, uma nas outra, têm ruas apertadas. Você sai do entroncamento de Itacaré e meia hora depois está em Camamu. Nem bem sai de Camamu, destampa em Igrapiúna. Respira em Igrapiúna, espirra em Ituberá. Nem bem limpou o espirro já abraça Nilo Peçanha, a terra do Zabiapunga. De Nilo Peçanha para Taperoá - que tem uma casa colonial na praça principal linda - é um pulo. Quando você pensa que vai rodar muito, chega em Valença. Apois, se a gente leva em média de 5 a 7 minutos para passar por dentro daquelas cidades, no dia do funeral, eu gastei mais que o triplo. Acho que Ituberá nunca viu tanto carro enfileirado como aquela tarde de quinta-feira, 1º de agosto.

O velocímetro marcando 10 km/h, o star-stop do carro ligando e desligado o tempo todo, aquele lenga-lenga, aquele chora-chora, aquele reme reme  e o pessoal tomando as duas pistas em marcha lenta. Como boiada sem pressa, em estrada de chão. Não tinha um filho de Deus para orientar aquele povo a caminhar somente de um lado da pista e deixar o trânsito fluir. Pois bem, vinte e um minutos depois o funeral chegou num retorno, bem curtinho. O rabecão fez a volta certinho e o povo logo atrás. Eu pensei comigo mesmo: “Por que o povo não passa por cima do retorno em formato de pizza e sai logo do outro lado, ao invés de ir atrás do carro do morto? Adiantaria o meu lado e o de todos os demais veículos daquele momento”. Foi aí que eu fiquei sabendo pela minha amiga Miriam - uma excelente contadora de histórias, que sempre me surpreende com uns ditos populares fantásticos - que passar na frente do caixão é problema. Se você passa na frente do caixão, o próximo enterro será o seu. Vixe, é barril! Então você já sabe, nunca passe na frente de um caixão durante um enterro. Nunca queira chegar no cemitério primeiro que o morto. Deixe o falecido ir sozinho para a terra dos pés juntos. Não apresse sua ida, mesmo sabendo que um dia, todos nós estaremos lá.

Rapaz, de repente, do nada, apareceu uma vaca. Dessas que tem o chifre torto e a cara enfezada. Ela saiu de uma rua apertada, do lado direito da via. Meu irmão, naquela hora, não apareceu um que lembrasse que passar na frente do caixão virava defunto. Ninguém queria ser chifrado e partir mais rápido para o cemitério que a superstição do caixão. Era melhor esperar para morrer daqui a um ano que perder a vida naquele minuto que aquela vaca, desembestada, resolveu fazer parte do enterramento.

Era gente correndo para todo lado. Velho subindo em poste, menino trepando em carro, mulher gritando que nem louca e a vaca, coitadinha, à procura do dono. E o pior que todos diziam que o animal era manso e que só depois da morte do dono – principal personagem daquele sepultamento - é que ela ficou doida.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 14/08/2019 11h15

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