
Você se recorda de Antônio Mendonça, o vendedor da Rua 7 de Setembro, no Centro de Ilhéus, que operava um estabelecimento de secos e molhados na interseção com a Rua Henrique Devoto? A expressão secos e molhados é uma expressão antiga que se referia a uma loja que oferecia uma grande variedade de produtos, até mesmo tecidos. Entretanto, o comércio de Mendonça não se enquadrava exatamente nessa descrição de tecidos, mas quando alguém não achava um item em outro lugar, era comum a resposta: "Você já deu uma olhada em Antônio Mendonça?"
Pois então. Antônio Mendonça, que também era cursilhista, católico fervoroso e praticante de karatê na juventude, era um excelente cidadão. Mas infelizmente já não está mais conosco. Contudo, seu comércio operou sob sua gestão por mais de seis décadas. De tempos em tempos, eu passava na loja de Mendonça para comprar balas soft — e engasguei com umas três, mas não morri! —, sacolas plásticas, fumo de rolo para meu avô, papel de cigarro Maracanã, rapé e vários outros produtos secos que só eram encontrados ali.
— Mendonça, me dê 10 conto de fumo, 2 bigbig, 1 saquinho de rapé!
E Mendonça respondia:
— 10 conto de fumo, 2 bigbig, 1 saquinho de rapé!
Outro freguês chegava logo depois e já gritava:
— Traz pra mim papel de pão, uma linha amarela, 3 pirulitos!
E Mendonça, em sua paciência e determinação respondia:
— 10 conto de fumo, 2 bigbig, 1 saquinho de rapé, papel de pão, linha amarela e 3 pirulitos — e nem bem virava as costas outro cliente já berrava:
— Mendonça me dá 10 gudes, 2 pião e 1 funil!
E Mendonça, sem pestanejar, repetia:
— 10 conto de fumo, 2 bigbig, 1 saquinho de rapé, papel de pão, uma linha amarela, 3 pirulitos, 10 gudes, 2 pião, 1 funil!
E já seguia atrás das mercadorias nos lugares certos, de cada um dos cantos de seu armazém.
Despachava o primeiro, o segundo, o terceiro, depositando as mercadorias no balcão e perguntava com a língua solta, feito um molinete:
— Mais o quê? Mais o quê? Mais o quê?
Recebia o dinheiro, calculava tudo na cabeça, dava o troco e já virava para o outro cliente que estava esperando:
— E você quer o quê? Quer o quê?
— Eu quero...
E se o cabra demorava e ele já virava para o outro e fazia a mesma pergunta:
— E você quer o quê? Quer o quê?
— 2 doces de leite, 2 anzóis pequenos... 2 carretéis de linha de pipa e 10 bombons de atum!
E voltava a memorizar os pedidos de um, dois, três, quatro, cinco pessoas ao mesmo tempo. E empacotava, e ria, e cantarolava, e somava e ainda dava bronca no ajudante que demorava de encontrar um produto para outro cliente.
— Mais o quê? Mais o quê? — dizia.
— Mendonça tem mel?
— Mé temos, só não temos a caneca!
E aquela memória de elefante, com todos aqueles secos e molhados entesourados no pensamento, no lugar certo, na visão fotográfica de cada um em seus devidos espaços, por cima daquele corpo esguio, branco, sem camisa — sempre! —, fizesse frio, fizesse calor, com seus óculos de grau, sorriso entredentes — sem resmungar — arrastava suas sandálias das 6 da manhã às 6 da tarde.
Antônio Mendonça nos deixou no dia 23 de fevereiro de 2016