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O Tabuleiro

Pawlo Cidade

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O SUS-to

Um deputado federal acaba de apresentar o Projeto de Lei que institui o Dia da COVID-19. O dia não poderia ser mais oportuna, 26 de fevereiro, data em que foi registrado o primeiro caso da doença pelo Ministério da Saúde. Segundo o parlamentar, “o brasileiro é um cidadão de memória curta e, rapidamente, esquecerá que milhares de profissionais da saúde, idosos, homens e mulheres perderam suas vidas durante o período em que o país sofreu a maior derrota de toda a sua história para este vírus mortal. “Se podemos homenagear o dia dos torturadores, porque não podemos homenagear um vírus que transformou o Brasil num país melhor?”, disse o deputado, salientando que os brasileiros se tornaram mais solidários e esperançosos depois que um grupo de cientistas, dentre eles, um baiano, encontrou a cura do Covid-19.

            Entretanto, quase dois anos depois do isolamento, vivemos à sombra de uma nova catástrofe mundial. Estados Unidos e China acusam-se de serem os algozes da disseminação do vírus que afetou, sobretudo, a economia de todos os países. Governos de todo mundo se posicionam apoiando os chineses, enquanto países em franco desenvolvimento, como o Brasil, são obrigados a se tornarem neutros depois que o povo saiu às ruas dizendo que se o país ficar em qualquer um dos lados, o Brasil vai parar porque os brasileiros não suportam mais ficar em casa com suas mulheres e filhos.

Cinemas do mundo inteiro lotam salas com a estreia de “Pandemia 19”, narrativa cinematográfica baseada em fatos reais, com Leonardo di Caprio, já cansado e abatido, e Angelina Jolie, com cara de vovó, depois do novo implante de seios e enchimento dos lábios como o casal cientista que descobre, em tempo recorde, e em meio a uma série de incidentes a vacina que salvou milhões de pessoas no planeta.

Mandetta, ex-Ministro da Saúde e atual deputado federal, lança livro autobiográfico com o título: O SUS-to que relata sua trajetória na saúde, os bastidores de um dos seus maiores desafios à frente do ministério e o susto que levou quando descobriu que o Sistema Único de Saúde (SUS) se configurou como um dos maiores e melhores planos de saúde pública do mundo, graças aos milhares de trabalhadores comprometidos com a saúde do país e aos investimentos públicos que são, quando eles querem, efetivamente empregados.   

Álcool em gel, água e sabão tornaram-se itens indispensáveis, mesmo após a pandemia. O IBGE realizou no último semestre uma pesquisa para analisar a conduta do brasileiro para saber o que de fato mudou após o longo período de isolamento social. 65% dos entrevistados disseram que preferem espaços que  mantém a higiene e o cuidado com seus clientes como prioridade; 75% sentem-se seguros quando pães, carne e outros gêneros são vendidos por colaboradores que usam máscaras; 12% ainda continua higienizando as mãos quando chega em casa e apenas 5% recorda que ficou mais de 60 dias confinado. Uma das questões que mais surpreendeu os pesquisadores nesta análise é que 1% disse não recorda se alguma celebridade morreu por causa da gripe, apesar de ficar, muitas vezes, até oito horas em frente a TV.

Psicólogos, filósofos, pesquisadores, intelectuais orgânicos e diversos outros profissionais foram unânimes em afirmar que o mundo seria outro depois da pandemia. Da janela do meu apartamento contemplo engarrafamentos enormes, muita poluição e barulho. Bia, minha irmã claustrofóbica, desde que conseguiu sair de casa já foi assaltada quatro vezes; a violência doméstica atingiu números alarmantes; as mulheres continuam recebendo menos que os homens em trabalhos semelhantes; o governo federal, incentivado pela Fundação Palmares, extinguiu o Dia da Consciência Negra argumentando que o chamamento desta comemoração nada mais era que um ato público de discriminação racial. É impressionante como os casos de pedofilia só perderam em número para o feminicídio, sobretudo, nas classes sociais A e B. 

Às vezes, me pego pensando que o mundo tomou apenas um susto e que acabei de assistir um filme como “Pandemia 19”ou li um livro cujo título remete a história de um escritor tentando encontrar o foco narrativo que irá expor sua visão sobre tudo que viveu durante o isolamento. Mas aí, me afasto da janela com seu trânsito insuportável, sento-me na poltrona da sala, ligo a TV, e um mentecapto dizendo que é presidente da República anuncia que cada cidadão brasileiro terá que devolver aos cofres públicos tudo que o governo investiu no auxílio emergencial. Graças ao aplicativo “Caixa Tem”, é possível saber quem, de fato, tem condições de devolver com juros o repasse dos cinco meses. O novo imposto foi batizado, ironicamente, de Covid-19. E aí, eu acordei.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 05/08/2020 09h05

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