Por: Marcolino Vinicius Vieira*
Você acha justo uma mulher estuprada por anos, até décadas, carregar o sobrenome, as cicatrizes psicológicas e frutos materiais de quem a estuprou? Pois é essa analogia cruel que muitos historiadores e sociólogas utilizam para falar da crueldade do escravismo brasileiro e sua continuidade com outros nomes hoje em dia.
A lembrança datada em treze de maio, uma ação dos escravocratas brasileiros para impedir o avanço das organizações negras que se movimentavam organizando negras e negros, é uma lembrança repudiada por todas as pessoas que tem o mínimo de consciência negra, letramento racial e leitura antirracista.
Esse conteúdo é para essas pessoas e também para as herdeiras dos frutos materiais de séculos de escravismo. Escravismo aceito pelo poder público, igrejas, grande mídia e tantas estruturas sociais e econômicas da época. E sim, estou falando dos sobrenomes que hoje dominam a política e economia brasileira herdeiras desses séculos de sangue, suor, saúde, tempo e energia negra. Vida negra.
Nada novo sobre o sol saber que o Brasil nunca teve projeto de país para gente negra, pobre, que é a maioria populacional. No sul da Bahia em que vivemos é o mesmo cenário. O único projeto existente é o de um país das desigualdades por que beneficia minorias herdeiras do escravismo sul baiano brasileiro.
É importante rememorar que o sul da Bahia é historicamente o berço de inúmeras revoltas e rebeliões que estavam espalhadas pelo Brasil colocando na mão da população negra brasileira os rumos do país. Esses levantes são os reais motivos da existência da lei áurea sancionada pelo poder escravocrata brasileiro em treze de maio de mil oitocentos e oitenta e oito. Lei essa que foi seguida de dezenas de outros decretos para impedir que essa população negra tivesse direitos e acesso a direitos como sua própria organização política, moradia, terra, educação e dignidade. A população negra antes usada como mercadoria e principal fonte de mão de obra para construir esse país, após treze de maio continua a ser vista como problema do estado brasileiro que permanece negando direitos e acesso a serviços de emancipação.
A abolição sim é uma grande farsa que se reflete no sul da Bahia na atual existência de municípios construídos com o suor negro, com sua maioria populacional de pessoas mergulhadas na pobreza e desigualdade sociais, econômicas e políticas. De Canavieiras, Una, passando por Ilhéus, Itabuna, Uruçuca, Ubaitaba e tantas outras cidades desta região, estão as riquezas sul baianas nas mãos das minorias herdeiras do escravismo-cacauicultor.
Nenhum desses municípios tem em seus poderes públicos projeto de cidade. O que temos é a manutenção do poder herdeiro escravocrata sul baiano nas prefeituras delas. Com raras e momentâneas exceções.
As juventudes negras empobrecidas e mergulhadas nas desigualdades, dessas cidades do sul da Bahia têm um grande desafio a frente. Tomarmos os espaços negados às nossas ancestralidades. Sejam espaços nas universidades e instituições públicas (UESC, UNEB, UFSB, IFBA, etc), sejam espaços da política (Câmaras de vereadores, prefeituras, secretarias, etc), espaços nas instituições democráticas (Judiciário, igrejas, sindicatos, etc) e criarmos uma correnteza de emancipação de nossas comunidades periféricas. Se, somos as maiorias populacionais devemos nós pessoas pobres e negras decidir os rumos das políticas públicas e dinheiro público de nossos municípios, ou não é de nossas vidas que são sugadas cada centavo de impostos?
A juventude negra não pode ser destinada apenas ao mercado comercial do tráfico de drogas nem a sermos ovelhas cegas dos mercadores da fé existentes em nosso sul da Bahia.
A juventude negra pode mais e temos capacidade para isso. Nossos antepassados construíram nações como palmares, um país liberto e democrático, neste Brasil, a nação de Quariterê e tantos e tantos quilombos que negavam o escravismo, buscavam a mata atlântica e construíam verdadeiras cidades com suas próprias economias, regras sociais e política.
Portanto assim como as descendências de Aqualtune e Dandara de palmares, Zumbi, Luiza Mahin e Luis Gama, romperam com a cultura escravocrata, nós juventude negra no sul da Bahia, temos o potencial de romper com as cicatrizes psicológicas e frutos materiais do escravismo-cacauicultor e escravismo-açucareiro ainda presente em nossas narrativas culturais municipais. Somos jovens herdeiros da ousada rebelião de humanos escravizados no engenho de Santana em mil setecentos e oitenta e nove que queriam paz e não guerra, queriam terra pra viver e sobreviver e não o açoite e queriam brincar, folgar, cantar ao invés da escravidão.
As juventudes das cidades do sul da Bahia, não são descendentes de escravos. Somos descendentes de seres humanos, reis, rainhas, príncipes e princesas em áfrica, realezas que foram escravizadas.
*Marcolino Vinicius Vieira é Ilheense, graduando em Gestão Pública pela Universidade Salvador, Bacharelando em Humanidades pela Universidade Federal Internacionalista (UNILAB) e Evangélico Coordenador Nacional dos Cristãos Contra o Fascismo.