
Subíamos as escadarias do Sétimo Céu aos pulos, apostando quem primeiro cairia com um palmo de língua para fora, na calçada do Mirante, em frente a Piedade. Do alto víamos o mar se afastando aos poucos, a se despedir do asfalto que ele acariciou um dia.
De mãos dadas ouvíamos Dire Straits e se jogávamos — sem medo de feliz — ao som de So far way nas matinês dançantes do Clube Social dos Bancários. Protestamos em frente a prefeitura quando o Prefeito demitiu nossos melhores professores, nos derradeiros dias de uma primavera de 1987.
Víamos assombrados a urna funerária indígena, exposta no Museu do Cacau e nos dividíamos em grupos para estudar na primeira biblioteca pública de Ilhéus, onde hoje funciona a Escolinha Perpétua Marques, uma justa homenagem a saudosa professora que morreu de um trágico acidente.
Fugimos apavorados do IME quando um caminhão cheio de botijões explodiu em frente ao Clube Social de Ilhéus e se disse que a cidade seria destruída pelas chamas do reservatório da Petrobras. Foi um terror! Eu lembro.
Fazíamos festas americanas, aniversários surpresa, armações para ficar com essa ou aquela garota e nem sequer imaginávamos que elas também faziam o mesmo.
Vi Pedro Mattos montar A bruxinha que era boa, Équio Reis A Paixão de Cristo e Mônica Tavares deslizar suavemente sobre o linóleo que cobria o palco de madeira lambri do Teatro Municipal de Ilhéus, com seus passos encantadores.
A gente fazia fila para assistir A volta dos Mortos Vivos, no Cine Santa Clara, e aguardávamos com ansiedade a chegada do verão na Avenida Soares Lopes porque ele trazia o Parque de Diversões e sua principal atração: Monga, a mulher-gorila. Vi Letto Nicolau montar A Filarmônica Capitania dos Ilhéos e Mestre Virgílio lutar pela valorização da capoeira de Angola. Acho que ninguém nunca ouviu falar de um dos maiores cordelistas que Ilhéus já teve: João Damasceno Nobre, o Amador Silvestre.
Trocaram o nome da Avenida Bahia, enterraram a praça Barão do Rio Branco — que morreu de desgosto —, tentaram apagar a história da Praça Castro Alves! E aqui eu abro um parêntese: Senhores vereadores, senhoras vereadoras, antes de mudar o nome de ruas ou praças de nossa cidade, procurem saber o por quê do nome atual, a sua história, a história do homenageado. Em aposto que raras são as pessoas que conhecem a história de J. J. Seabra e sua importância para a Bahia!
Enfim, quase ninguém sabe onde ficava o Morro do Urubu. Tampouco o Buraco da Gia, o Casco da Cuia, a Rua do Filtro, o beco de João Rato, a Fonte da Cruz, a Rua do Sapo. Esqueceram de Geninho do Trio Djan, das serestas marcantes de Sargento Aloísio e dos ligantes saborosos de Almirante, onde experimentei pela primeira vez um suco de cupuaçu.
E nós dois, de mãos dadas, testemunhamos a chegada dos suíços e dos chineses, o nascimento e a morte da Casa dos Artistas, a partida de amigos e amigas queridas na pandemia, inclusive minha irmã.
“Um brinde aos que estão aqui hoje.
Um brinde aos que perdemos pelo caminho”.
Dizem que os museus são santuários do passado. Pois eu lhes digo que os museus são memórias vivas daquilo que um dia fomos e que jamais voltaremos a ser. As memorias existem para nos fazer lembrar que a vida valeu a pena.
“Um brinde as pessoas que temos.
Um brinde ao desejo de que você estivesse aqui, mas não está”.
Ainda sinto cheiro do café da minha mãe, às cinco da manhã, ouvindo Na Fumaça do Congo, do velho Zé Tiro Seco. E choro, todas às vezes, que recordo quando liguei para ele para que desse a notícia da passagem de meu pai. E ele, como eu, engoliu em seco e deu a notícia, com as palavras entrecortadas, que meu pai havia morrido.
Hoje, meu coração se alegra, por Deus me ter dado a chance de poder contar um pedacinho de tudo que esta terra teve e que um dia haverá de ter Onde canta o sabiá.
Sou Pawlo Cidade, escritor e gestor cultural para a Ilhéus FM.